Por vezes tudo se ilumina. Por vezes canta e sangra. "Eu digo que ninguém se perdoa no tempo. Que a loucura tem espinhos como uma garganta. Eu digo: roda ao longe o outono, e o que é o outono? As pálpebras batem contra o grande dia masculino do pensamento."
Uma lâmina de ar Atravessando as portas. Um arco, Uma flecha cravada no Outono. E a canção Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas. E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio. É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza Quando saio para a rua, molhado como um pássaro. Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito. Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede Cumprimenta o sol. Procura-se viver. Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas. Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se Como se, de repente, não houvesse mais nada senão A imperiosa ordem de (se) amarem. Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras. Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos. Não há um nome para a tua ausência. Há um muro Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho Que a minha boca recusa. É outono A pouco e pouco despem-se as palavras.
2 comentários:
Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
"Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento."
Herberto Helder - SÚMULA
A. Reis.
Carina said...
Outono
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Uma lâmina de ar
Atravessando as portas. Um arco,
Uma flecha cravada no Outono. E a canção
Que fala das pessoas. Do rosto e dos lábios das pessoas.
E um velho marinheiro, grave, rangendo o cachimbo como
Uma amarra. À espera do mar. Esperando o silêncio.
É outono. Uma mulher de botas atravessa-me a tristeza
Quando saio para a rua, molhado como um pássaro.
Vêm de muito longe as minhas palavras, quem sabe se
Da minha revolta última. Ou do teu nome que repito.
Hoje há soldados, eléctricos. Uma parede
Cumprimenta o sol. Procura-se viver.
Vive-se, de resto, em todas as ruas, nos bares e nos cinemas.
Há homens e mulheres que compram o jornal e amam-se
Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência. Há um muro
Que os meus olhos derrubam. Um estranho vinho
Que a minha boca recusa. É outono
A pouco e pouco despem-se as palavras.
::Joaquim Pessoa::
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