domingo, fevereiro 22, 2004

Como a mim mesma

Já lá vai o tempo em que o amor me preocupava, agora penso.
Ganho, perco, poupo tempo a pensá-lo.
Olho as pessoas e as coisas, e digo; nunca me bastaram.
Olho-me digo: nunca me bastei.
De que precisaria, então para me bastar?
Que me faltou, quem me impediu?
Quem me ensurdeceu à própria voz?
Porque não escutei o meu grito de socorro?
Não me estendi a mão?
Me deixei cair, despenhar?
Quem além de mim, posso culpar?
Às vezes, digo, foi esta vontade de ser amada!

Outras vezes, penso: foi pena
ninguém me ter dito que era a mim que eu devia beijar
amar,perdoar, mimar.
Foi pena ninguém me ter dito que não era com os outros, mas comigo, que eu teria de viver.
Mais.
Sempre.
Inescapavelmente.

Viver comigo é longo, interminável.
Imposto, indeclinável.
E as fugas a mim mesma têm custo
um custo em euros: viagens, restaurantes, piscinas
um custo em vida: vicios,miomas, manias.
Não basta o sangue, o mesmo sangue.
É preciso pois fomentar umsentimento
Visceral
uma robustez marsupial
para carregar o mesmo corpo, a mesma casa
a mesma carne
pecados, corrupções
batotas, desilusões

e nunca o eu se zangar comigo
e nunca o eu se fartar de mim
por estar preso, cravado
agrilhoado

Solidão?

preciso,então, de me amar
tanto, tudo
para que enfim me baste, me desprenda
não precise, não dependa
e o outro
quando muito,
o segundo amor
o primeiro, o segundo, o terceiro?

Já lá vai o amor em que o tempo me preocupava, agora...

se nada nem ninguém me bastou o que me faltou, fui eu.




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