sexta-feira, dezembro 03, 2004

Não sei como dizer-te que a minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e casta.

Não sei o que quer dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
_eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu ascético escuro e em turbilhão de um dia
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a minha cara ardesse pousada na noite.

_ E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.

Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
_ não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo os trevos,
a água sobrenatural, o leve e abstracto correr do espaço,
e penso que vou dizer alogo cheio de razão,
mas quando a sombra cai
da cuva sofrega dos meus lábios,
sinto que me falta um girassol, uma pedra, uma ave,
qualquer coisa extraordinária.

Porque não sei como dizer-te sem milagres,
que dentro de mim é o sol, o fruto, a criança,
a água, o leite, a mãe, o amor, que te procuram.





::Herberto Helder::

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